Leia também a versão em inglês
As cervejas e cervejarias brasileiras estão conquistando os paladares, brasileiros e estrangeiros. Um reflexo disto é o fato de que marcas brasileiras têm cada vez mais destaque em premiações internacionais importantes. Costumo dizer que essas premiações são um desígnio de qualidade, qualidade esta que é de senso comum entre os consumidores brasileiros mais conectados.
Mas, que cervejas fazemos?
Enquanto cervejaria, limitamos o menu de opções para que possamos abastecer continuamente o mercado. Enquanto consumidores, temos a sorte de ter muitas cervejarias reproduzindo os estilos, e as opções não se repetem na integralidade, nos dando portanto opções aqui e acolá, a amplitude do que dispõe os guias de estilos.
As principais escolas cervejeiras, segundo a maioria das bibliografias e o senso comum: Alemã, Belga, Inglesa (com seus correlativos) e o que chamam de Mundo Novo, onde observamos EUA, Japão, Argentina e talvez Brasil, segundo material didático da Doemens Akademie. Essa tal escola Mundo Novo é muita novidade. Mas no que somamos?
Se você é cervejeiro já deve ter observado há tempo o seguinte. Não temos ingredientes nacionais na base das cervejas que nos possibilitem criar um estilo, por enquanto. O conceito de cerveja “Bebida alcoólica, com grãos cozinhados em água, adicionada lúpulos, fermentada, maturada, gaseificada” revela o quão estamos distantes de criar um estilo, ao menos com os ingredientes básicos como o conceito da bebida sugere. Vamos avaliar os ingredientes.
Não temos maltes especiais produzidos nacionalmente com uma identidade com exceção do malte Barley Loaf da Maltaria Blumenau, os demais maltes nacionais são de base ou com perfil sensorial já conhecidos por maltarias estrangeiras.
Com os lúpulos não é diferente, não os temos em escala para que todos usem ou que tenham características próprias. Muitas pesquisas estão em curso, uma oferta ainda muito tímida e muito distante de conseguir abastecer as cervejarias de fato.
Com as importantes leveduras, pouco são as isoladas típicas brasileiras que reproduziriam características distintas às que já conhecemos, podemos destacar o trabalho mais conhecido sendo da Gabriela Montandon e algumas outras descobertas que demandam mais estudo.
Por sorte temos água, muita água, com perfis distintos neste longitudinal país, e não entendo podermos criar um estilo de cerveja apenas com água. Torcemos que a oferta de insumos nacionais aconteça breve.
Porém recentemente, há uma manifestação que pode criar o primeiro estilo de cerveja brasileira. Cerveja ácida com fruta, a Catharina Sour. Um estilo, não uma escola, por favor.
Em escolas cervejeiras citadas acima, alguns estilos remetem à acidez. Na escola Belga, as Gueuzes remetem acidez, porém são cervejas com uma construção singular, ora com lúpulos velhos e/ou maturadas em madeira por longos períodos, não preveem a adição de frutas, e quando tem frutas são categorizadas como Fruit Lambic. Os americanos, tão inventivos quanto nós brasileiros, desenvolvem suas American Sours, porém a base da cerveja pode variar amplamente, não obrigatoriamente utilizando trigo e com a base de maltes que pode ser uma cerveja escura, ter ou não especiarias ou frutas. É realmente bom lembrar que são os americanos os responsáveis por escreverem os dois principais guias de estilos mais populares no mundo todo, o BJCP e BA, ambos surgidos a partir da década de 80. Alou? Até os anos 80 não haviam estilos Americanos, ao menos catalogados. Na escola Alemã, a icônica Berliner Weisse é a cerveja que mais se assemelha, prevê uso de malte de trigo ou trigo não maltado, uma graduação alcoólica baixa e, no entanto, também não prevê adição de frutas. Vamos falar mais da Berliner Weisse. No BJCP sumariamente não prevê frutas na cerveja, e no BA o guia menciona ésteres frutados, resultado das fermentações, porém o BA abre prerrogativas no guia mencionando o fato de haver possibilidades de existirem sub-categorias. Ora, é isto que queremos normatizar. Cerveja ácida com fruta não tem catalogação correta, que venha a Catharina Sour.
Muitos profissionais da área, sommeliers e juízes de cervejas estimulam que tal cerveja ácida com frutas sejam inseridas em concursos ao estilo correspondente 34C- Experimental Beer, que inicialmente concordo por fazer sentido. Ora, quando dezenas de cervejarias ousam reproduzir um estilo, organizado como tal, oferecido em linha, com inventividade, oferta distinta de frutas e especiarias, tal fase experimental deixa de fazer sentido. Quando muitos reproduzem, e com qualidade, tal produto deixa de ser experimental.
Este ano, 2017, o mercado brasileiro se abasteceu de excelentes cervejas ácidas, os consumidores e cervejarias ao seu modo se organizaram ao estilo Catharina Sour. No concurso Copa de Cervejas POA, último concurso brasileiro deste ano, e no próximo Festival Brasileiro de Cervejas em Blumenau, no Concurso Brasileiro de Cervejas 2018, abriu-se o estilo Catharina Sour, resultado deste estímulo pela cerveja. Deixou de ser experimental.
Assim, nós que temos 316 frutas catalogadas brasileiras, e outras milhares de frutas que se adaptaram em nosso continente, digo nosso país, fazemos uso destas variedades para criar cervejas. Muitas destas frutas são ácidas e cítricas, ideais para serem utilizadas como adjuntos nas cervejas.
Em 2015, a Acerva Catarinense trouxe ao Congresso Técnico Cervejeiro em Florianópolis, o palestrante autor do livro American Sour Beer, Michael Tonsmeire. O americano foi muito atencioso com todos e motivou muitos cervejeiros catarinenses e de outros estados, a fazerem suas cervejas ácidas e refrescantes. Temos muita sorte em ter nas fábricas os cervejeiros formados nas pequenas panelas, que se profissionalizam rápido e tem muita criatividade.
Alguns meses depois, a ACASC, Associação das Microcervejarias do Estado de Santa Catarina, vendo o estímulo de muitas cervejarias na oferta de cervejas ácidas, como a Blumenau, Itajahy, Das Bier, Liffey, Lohn Bier entre outras (me perdoem se deixei passar alguma), inteligentemente organizou-as para que com a similaridade das cervejas, tivéssemos um guia de estilo ordenado com frutas, inclusive sugerindo um texto auxiliar compatível há um guia tradicional. Surgia ali o que chamamos hoje de Catharina Sour. O nome sugere um Estado brasileiro, o que talvez não estimule a simpatia de outras cervejarias em outros Estados em um primeiro momento. Mas o público compreendeu, muitas cervejarias de outros estados também, nominalmente podemos citar esta cerveja sendo reproduzida em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul, entre outros. Igualmente cervejeiros artesanais, estes sim espalhados por todo o país, replicam com louvor a Catharina Sour.
Em junho fui à Argentina e fiz uma Catharina Sour com Cerezas Mendocinas na longínqua cidade de Poterrilhos. Em outubro voltei para Córdoba ao convite da Oktoberfest de Vila General Belgrano (terceira maior do mundo do gênero) para ministrar uma palestra sobre o estilo. Em dezembro Marcelo Rogio, um dos cervejeiros e proprietário da Penon, uma das maiores cervejarias da Argentina, veio visitar a Lohn Bier e entender os processos de produção da Catharina Sour.
Com muitos concursos ocorrendo no Brasil e na América Latina, vários membros do BJCP já carregam na memória as degustações e conceitos da Catharina Sour. Gordon Strong esteve em Florianópólis julgando um concurso artesanal da Acerva Catarinense e vibrou com a Best Of Show (BOS) sendo uma Catharina Sour. Estimulado pelo concurso, eternizou sua experiência na gravação de Podcast com Brad Smith no BeerCast, colocado no ar em 27 de setembro de 2017, onde abertamente pode-se observar a naturalidade com que trata a cerveja. Gordon Strong tempo depois publicou seu artigo na revista Brew Your Own, replicado repetidas vezes em inglês e português nas redes sociais.
Pete Slolsberg no Mondial de La Biere no Rio de Janeiro 2017, visitou Stands das cervejarias buscando o estilo, dou meu testemunho como verdade, ele e sua simpática esposa me fizeram companhia por um longo período, onde também registrei um depoimento em vídeo. Naquele momento ainda não sabia que a Catharina Sour Bergamota havia recebido medalha de ouro no Mondial. Aliás a Catharina Sour Bergamota ficara com medalha de prata no World Beer Awards 2017, e a Catharina Sour Uva Goethe foi eleita World Best na categoria Fruit and Vegetable, assim, a melhor cerveja com frutas naquele importante concurso é uma cerveja brasileira, ora Catharina Sour. Há uns meses mais anterior, na também distante cidade de Cusco no Peru, conversei com Scott Bickham que degustou e elogiou a empreitada quase recém lançada.
O Brasil não tem dimensões de um país, mas sim de um Continente, com 4 fusos horários distintos, uma faixa de longitude geográfica também enorme.
Contudo, somos um país que consome muito bem bebidas frias, pois na maior parte dos Estados temos temperaturas altas durante vários meses do ano. As cervejas leves, pouco álcool e frisantes, trazem refrescância e aromas tropicais, característicos do nosso país. As Catharinas Sour vão ganhando cada vez mais adeptos, sejam por adultos de paladar ou por novos consumidores, por ser uma cerveja simples e de fácil compreensão. Acidez e fruta, frisante e aromática, simples assim. Ora comparada às bebidas frisantes como espumantes ou refrigerantes, possuem um preço ainda mais competitivo que outras cervejas mais elaboradas e sempre haverá uma oferta de fruta que mais lhe apeteça.
Falo abertamente sempre sobre o assunto, e torço que esta cerveja vire estilo. Fabricamos ótimas cervejas Weiss alemãs, Pale Ales britânicas e Strongs belgas. Os brasileiros replicam muito bem todas as escolas. Mas qual nossa cerveja? O que você ofereceria para um gringo dizendo “esta cerveja é nossa”? Continuemos fazendo e replicando boas cervejas, mas tenhamos identidade.
Na gastronomia, as pizzas são tão democráticas quanto às cervejas. Você já deve ter consumido em algum lugar o que o pizzaiolo chamou de Pizza da Casa, aquela que não se enquadrou nos padrões, mas que merece ser prestigiada. É claro que cada pizzaria tem a sua, seus ingredientes inusitados. Na próxima visita à uma pizzaria ouse pedir uma Pizza da Casa com uma Catharina Sour. Só existem 15 tipos de pizza no Mundo? Que mundo chato seria.
Somos todos cervejeiros. Quando as pessoas aprendem um pouco, só um pouco sobre cervejas, logo se sentem aptos a polarizar as conversas na mesa do bar sobre cervejas. Então devemos prestar atenção a este novo estilo, que ainda não foi catalogado, claro, mas que por enquanto é o maior candidato brasileiro a se tornar. Catharina Sour, com fruta, o futuro primeiro estilo brasileiro, sim, do Brasil. Boas vibrações com boas cervejas é o que queremos, e quem estiver do outro lado pode estar pensando estar do lado certo, mas estará apenas do outro lado. Saúde!